sexta-feira, janeiro 06, 2006

Obras: «Festas»

«(...) 6 de Janeiro. Era o Dia de Reis, e toda a família estava reunida para mais uma festa.
Esta data marca, pode dizer-se, o fim da época de Natal. Assinala aquele outro dia acontecido, segundo a lenda, há muitos, muitos, muitos anos, em que três homens muito importantes dessa época, os Reis Magos, de nomes Baltazar, Gaspar e Belchior, visitaram o Menino Jesus e lhe ofereceram ouro, incenso e mirra. E é por isso que existem sítios no Mundo onde é neste dia, e não no de Natal, que são oferecidas as prendas. Para os nossos heróis este Dia de Reis tinha um significado bem especial porque... estavam na companhia de um rei! O Rei Momo, meio a sério, meio a brincar, dizia-lhes: "Quem sabe se eu não descendo de Baltazar? Não tinha ele a pele escura, como eu?"
Uma vez mais, os nossos amigos estavam em movimento, em viagem. Mas desta vez deslocavam-se não numa estrada mas sim numa linha férrea. Estavam num comboio, num enorme comboio, o maior que já tinham visto. Haviam partido ao fim da tarde do dia 1 de Janeiro. O Pai Natal Principal decidira, depois de se reunir e consultar os seus colegas, retribuir a visita do Rei Momo ao País do Natal... com uma visita sua ao Reino do Carnaval. Explicou ele: "Será uma expedição magnífica como nunca se viu antes! Juntas, as gentes do Carnaval e do Natal formarão a maior embaixada de culturas, um invencível exército de paz! Levaremos a mensagem da alegria, do desenvolvimento, da tolerância, do entendimento, do sucesso, enfim, da ordem e do progresso, a outros países e a outros povos que destes valores estão muito necessitados. Proponho-vos, porém, que tomemos outro rumo. Em vez de regressarmos pelo mesmo caminho, para Ocidente, iremos para Oriente. E em vez de irmos, como vocês vieram, em caravana, em cortejo, pela estrada, iremos no nosso comboio. É mais rápido, mais seguro, e, além disso, nos sítios por onde iremos passar está agora muito frio. Para cá o Rei Momo, depois de atravessar o oceano Atlântico, chegou a Portugal, e depois passou por Espanha, França, Bélgica e Holanda, Alemanha, a Escandinávia... até que chegaram aqui. Nesta viagem continuaremos no mesmo sentido, e faremos, praticamente, uma volta ao Mundo! Vamos! Vai ser formidável!" (...)
Este dia estava a correr calmamente, tranquilamente, embalado pelo comboio. Tudo levava a crer que nada de extraordinário iria acontecer. Mas aconteceu mesmo! De repente, uma travagem mais forte manda todos os passageiros para o chão, uns para cima dos outros. Das mesas, dos armários e das prateleiras caem louça e talheres, malas, livros, e muitas outras coisas, que ficaram desarrumadas e espalhadas. Ficou tudo numa bagunça! Felizmente, e por sorte, ninguém ficou ferido, apenas uns arranhões e umas nódoas negras. Foi mais um grande susto! Mas o que teria acontecido? O que se teria passado lá fora que obrigara o maquinista a parar o comboio tão depressa? Assim que se levantaram, e que tiveram a certeza que estavam bem, correram para as janelas... e o que viram pregou-lhes outro, e ainda maior, susto!
Estavam cercados por um exército, com soldados e com canhões. Estes apontavam para o comboio, para a locomotiva, para as carruagens e para os vagões! Quem seriam eles, e o que queriam? Eram centenas, e parecia que vinham do passado, de uma aula de História, de um livro ou de um filme: os seus uniformes eram antigos, iguais aos que usavam os militares do início do século dezanove. Os chapéus altos com pala, os casacos de estilo jaquetão de cores azul e encarnada, as calças brancas justas, as botas pretas de cano alto. Às costas usavam uma mochila, nas mãos tinham uma espingarda com uma baioneta. Muitos montavam cavalos. Eram como soldadinhos de chumbo, mas em tamanho grande... e vivos! (...)
Então, saíram, de entre as fileiras de soldados, três cavaleiros, que começaram a descer a colina. Quase de certeza que eram os líderes daquele estranho exército: via-se pelo porte garboso que ostentavam, pelas medalhas no peito que mostravam... Contudo, a meio caminho, os três desequilibraram-se... e caíram! Por entre muitos insultos murmurados entre dentes, e os risos dissimulados dos seus soldados, lá voltaram a montar os seus corcéis e continuaram, um pouco abalados, amarrotados... e também um pouco sujos. Quais seriam as suas intenções? Amistosas ou hostis? Em breve iriam saber. Aproximaram-se. Pararam. E apresentaram-se.
"Salve! Eu sou o General Junot...", disse o primeiro. "... Eu sou o General Soult...", disse o segundo. "... E eu sou o General Massena", disse o terceiro. "Somos descendentes dos oficiais com o mesmo nome que, há muitos anos, estiveram sob as ordens do grande imperador Napoleão", disse Junot. "E hoje, tal como ontem, os ideais, os princípios pelos quais nos guiamos e orientamos o nosso combate, mantêm-se. Liberdade, igualdade, fraternidade! Lutamos contra todos os tiranos, onde quer que eles se encontrem", reforçou Soult. "É uma feliz coincidência que, neste Dia de Reis, tenhamos encontrado mais um dos que se dizem soberanos, que se intitulam monarcas, enfim, mais uma das infames cabeças coroadas. Ó tu, que dizes chamar-te Rei Momo, prepara-te para dizer as tuas últimas orações! O teu crime é ainda mais hediondo porque, se tens a pele negra, não és mais do que um mísero escravo a usurpar um trono que nem sequer existe. Se ainda não sabes, vais ficar a saber o que fazemos no nosso país a indivíduos da tua laia... cortamos-lhes as cabeças! Tragam a guilhotina!", sentenciou Massena. (...)
(Excertos do meu livro «Festas», uma narrativa infanto-juvenil... para todos!)

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