quarta-feira, novembro 04, 2009

Obras: “1984”

Eu deveria ter adivinhado...
Eu deveria ter calculado...
Bastava fazer as contas:
mil novecentos e oitenta e quatro, noves fora...
dá quatro.

Afinal, George Orwell estava enganado,
mas quatro cavaleiros apareceram
trazendo o meu apocalipse privado.

Eles deixaram sinais...
Eles deixaram avisos...
Porque antes levaram quatro imortais,
assim iniciando os choros e findando os risos.

António Variações, cantando, se calou.
Ary dos Santos, declamando, se parou.
Baptista Pereira, nadando, se secou.
Joaquim Agostinho, pedalando, se apeou.

E no desporto despontaram quatro memoráveis momentos desse ano:
derrotas deprimentes, ante italianos e franceses, do Porto e de Portugal;
três medalhas olímpicas, uma de ouro para Carlos Lopes, o nosso herói;
no Estoril regressou a Fórmula 1 e Niki Lauda foi, de novo, campeão mundial.

Mas esse Verão passou e com ele outra vida se desfolhou;
no Dia de Finados vi um carro funerário e pressenti que estava perto.
E a 4 de Novembro, às quatro da manhã, num quarto de um quarto andar,
o futuro surgiu branco como o lençol cobrindo quem nunca mais veria desperto.

Na música procurei alívio e ânimo para uma existência à beira da desistência.
Ouvi canções sobre liberdade, guiar, duas tribos, nascido nos Estados Unidos.
Eu sabia que era Natal, e a melhor prenda foi realmente o disco de um príncipe
que, qual feiticeiro, fez cair uma chuva púrpura que purificou os meus sentidos.


Poema (Nº 293) escrito em 2004 (a 4 de Novembro) e incluído no meu livro «Espelhos».

(Evocação também no Esquinas (57).)

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